Bena Coelho – Analista Junguiana

Espaço para discussão da psicologia junguiana.

NARCISO, SUPERFICIALIDADE E AUTOCONHECIMENTO

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Mitologia

Narciso

Esse texto é um pequeno resumo da minha compreensão sobres alguns aspectos abordados no livro de de Raïssa Cavalcanti “ O Mito de Narciso, o héroi da consciência.” Ed Cultrix – 2003.

O Mito de Narciso aborda, entre outros, os temas da superficialidade e do autoconhecimento; o destino de Narciso era o autoconhecimento e como ninguém pode fugir do destino, certamente ele não seria a exceção!

Narciso era filho da do deus-rio Céfiso e da ninfa Liríope; quando ele nasceu, sua mãe levou-o ao adivinho Tirésias para saber se ele teria uma longa vida. Então ele respondeu que sim, mas somente se ele não se conhecesse!

Um dia a bela ninfa Eco vê Narciso e se apaixona perdidamente por ele. Eco tinha sido castigada por Hera, por tê-la distraído para que ela não visse as traições do seu marido Zeus. Ela perdeu o dom da palavra e foi condenada a repetir apenas as últimas sílabas do que ouvia. Narciso percebe que há alguém tentando comunicar-se com ele, mas essa comunicação não pode ser estabelecida, pois ele só ouvia as últimas sílabas das palavras que ele mesmo pronunciava. Então ela decide atirar-se em seus braços, mas ele a rejeita. Envergonhada pela rejeição ela se refugia nas cavernas e finalmente torna-se pedra; mas, o lamento de sua voz permanece.

Narciso por sua vez continua rejeitando outras pessoas; esses rejeitados resolvem pedir justiça aos céus; Nêmesis, deusa da vingança, defensora da justiça e do equilibrio, ouve as súplicas e atende aos pedidos. Um dia quando Narciso vai beber água, vê sua imagem refletida, apaixona-se por ela e na tentativa de alcança-la morre afogado, transformando-se numa linda flor. Assim cumpre-se o seu destino.

Na psicologia junguiana, Narciso e Eco, são aspectos do nosso psiquismo, com uma variada possibilidade de representações. Uma das mais conhecidas é o autoerotismo, no qual uma pessoa toma seu corpo como o principal objeto de interesse e autoafirmação.

Como todo conteúdo psíquico tem sempre a possibilidade de atuar nas polaridades, o tema de Narciso tanto pode ter uma atuação positiva de autoconhecimento e introspecção, como postula inúmeros estudiosos do mito, quanto de forma negativa e destrutiva pelo seu aspecto defensivo e consequentemente cravando uma enorme ferida na personalidade de seu portador.

Ora, para haver autoconhecimento é preciso ir a busca do outro para o encontro, pois é no relacionamento entre duas pessoas que ambas podem conhecer a si mesmas. Entretanto na polaridade defensiva o indivíduo fica aprisionado na primeira parte, na busca, pois a cada encontro ele não consegue estabelecer a coniunctio e assim o rejeita, retomado o ciclo de sua busca incessante e formando assim a grande ferida narcísica!

Raissa Cavalcanti em seu livro, “O Mito de Narciso”, lista alguns sintomas da personalidade do Narciso Ferido:

  • Impulsividade e descontrole;
  • Dificuldade de introjeção dos conteúdos trazidos pelo outro, pois tem medo de sejam maus ou estragados;
  • Ausência de superego cuja função é organizadora da ética e compromisso;
  • Exigência de que o outro se comporte de acordo com seus desejos, sob pena de ser descartado;
  • Ênfase no fazer e não no ser; por causa da sua grande sensação de vazio interior ele gera uma ansiedade que o impele a estar sempre fazendo algo como forma preenchimento; porém a satisfação é fugaz e acentua mais ainda o sentimento de falta de sentido e significado;
  • Necessidade de se auto afirmar, invalidando o outro, na tentativa de aplacar o sentimento de inferioridade;
  • Negação da percepção dos limites; por falta de percepção da realidade, utiliza o principio do prazer;
  • Possui baixíssima resistência à frustração e quando suas expectativas onipotentes não são atingidas reage com uma fúria descontrolada;
  • Por causa de sua baixa-auto-estima é vulnerável à críticas; necessita sempre de aprovação;
  • Oscilação entre idealizações positivas e negativas em relação ao objeto e também ao Ego;
  • Sentimento de invulnerabilidade produzido pela fantasia da onipotência;
  • Ambições irrealistas que potencializa ainda mais o sentimento de inferioridade e incompetência;
  • Dificuldade na discriminação simultânea dos aspectos negativos de um objeto; os aspectos bons ou maus do objeto são generalizados para o todo a partir da percepção de uma parte;
  • Valorização do objeto que alimenta a satisfação narcísica; fusão com o objeto para se apropriar do seu valor;
  • Por inveja é incapaz de ter sentimento de gratidão;
  • Dificuldade de estabelecer relacionamentos afetivos intensos e profundos; numa atitude defensiva prefere manter uma distancia do outro e também de si mesmo; por isso seus relacionamentos são superficiais; a exacerbação sexual é colocada no espaço do contato psicológico profundo.

A longevidade de Narciso estaria condicionada à superficialidade! Entretanto, como Narciso representa o herói da consciência, ele pode entrar em contato com o Self que lhe dará a medida exata de sua ignorância e assim, numa tarefa heroica construir uma consciência egoica que suporte o processo de individuação.

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