Bena Coelho – Analista Junguiana

Espaço para discussão da psicologia junguiana.

Invadindo a Torre de Bolligen

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Jung teve uma relação muito forte com a natureza desde a infância. De Küsnacht, ele embarca de bom grado em um veleiro para o Lago Zurique em suas margens selvagens apresenta aos seus filhos. Em 1922, comprou um terreno e, com as próprias mãos (ajudado em particular pelo filho), construiu ali uma torre, que se transformou numa espécie de castelo curvilíneo. Em 1923, sua mãe morreu e a torre tornou-se, simbolicamente, “um lugar de amadurecimento, um ventre materno” lugar onde ele retornava sempre que precisava mergulhar no essencial. Até hoje, ainda não há eletricidade ou água encanada neste lugar singular, que os descendentes de Jung compartilham nas férias. « No verão é lindo. No inverno é mais difícil, diz seu bisneto Daniel Baumann: este lugar é acima de tudo um manifesto».

Segundo Jung, a transgressão é um arquétipo que pode levar ao conhecimento; ele mostra isso nos mitos de de Prometeu na cultura grega e na nossa cultura cristã com a tentação da serpente para que Eva comesse da árvore do conhecimento.

Eu também tenho sede de conhecer; queria visitar o lugar mágico onde Jung mergulhava sempre que precisava tirar de si mesmo o que tinha de melhor; foi nesse útero que após fazer a necessária depressão decorrente do seu rompimento com Freud ele emergiu trazendo uma das mais importantes formulaçôes teóricas da sua psicologia, os Tipos Psicológicos. Esse lugar não está aberto à visitação pública, mas eu queria pelo menos passar perto e sentir o cheirinho desse ninho! Carro alugado, lanche à bordo e uma enorme euforia contagiando até uma amiga de férias que nunca tinha ouvido falar de Jung em toda sua vida.


Claro que na véspera tentamos nos munir do máximo de informação possível que pudesse nos levar ao local; mas na pratica as coisas se tornaram bem mais complicadas embaixo de sol inclemente! Obviamente não havia nada que sinalizasse o caminho, já que não é um lugar de visitação pública ; até, encontramos uma placa enorme embaixo de um viaduto com a foto de Jung, mas em alemão, e nessa época não tinhamos acesso à net para pegar tradutor ; não nos ajudou muito.
Seguimos margeando o lago, pois era a única pista segura ; pra isso pegamos uma rodovia paralela, onde às vezes não tinha acostamento e o vento produzido pela velocidade dos carros parecia que ia nos levar…

Sempre que possível passávamos para o lado interno da pista, mas sempre atentos pra não perder de vista o lago, pois em alguns trechos ele fica escondido pelas árvores …

Finalmente o milagre aconteceu; nos deparamos com uma moça limpando o terreno bem na beira de uma estradinha e foi assim que ela nos indicou esse caminho secundário que nos levaria à casa da familia Jung ; melhor ainda, já estavámos bem pertinho ; ela nos disse que logo avistaríamos a torre!

Alguns passos adiante, logo a avistei… Que emoção!
Eu me lancei na sua direção descendo a ribanceira parecendo uma doida, tomada por uma emoção indescritível ! Aos meus acompanhantes, só restava me seguir …
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Chego pelos fundos da propriedade, entrada típica do visitante que não é convidado e vou enveredando pelos acessos que ligam os blocos que formam o edifício, mais excitada que criança que acabou de chegar no parquinho de diversão e olha extasiada os briquedos luminosos!

De repente, ouço um grito quase como num filme de terror !!! Uma mocinha aparece na minha frente pálida de susto! Também fiquei assustada e com medo, pois achava que não tinha ninguém na casa, mas estava invadindo uma propriedade privada! Meu «safo» marido que vinha logo atras de mim, tratou de dar as devidas explicações e pedir nossas desculpas, explicando que « éramos  psicólogas junguianas brasileiras » em viagem de turismo pela Europa e que tínhamos ido à Suissa exclusivamente pra conhecer a Torre de Bolligen e o Instituto de Zurique! Penso que ela sentiu que não corria maiores riscos, pois ficou tranquila! Ele, na sua cara de pau, ainda tentou seduzí-la perguntando se podíamos conhecer o interior da torre; ela foi gentil, mas categórica e disse que infelizmente à torre não era aberta ao público! Já foi bom ela não ter chamado a polícia por invasão domiciliar …

Ela nos permitiu fazer fotos e vídeos em torno da casa e eu recuperada do susto e me sentindo « autorizada » embora ainda um pouco nervosa, não me fiz de rogada !

Na saída, que dessa vez, diga-se de passagem, foi de forma mais digna pois foi pela entrada principal, arranjei uma cara de pau e perguntei se podia ter a honra de fazer com ela ! Está aqui uma foto com uma descendente de meu guru !

Nem preciso dizer que o caminho de volta foi mais curto e mais leve ; agradeço à esse eterno transgressor de carteirinha, Jean-Marie, que sempre destemido fez muitas vêzes o papel da serpente na minha vida para que eu aprendesse coisas novas e perdesse o medo de arriscar ! Merci beaucoup mon chérie por essa maravilhosa aventura!

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